Este é o 24º texto do blog Deriva Continental, escrito por Lauro Cézar Montefalco de Lira Santos, da Universidade Federal de Pernambuco, e Guilherme dos Santos Teles, da Universidade Federal de Campina Grande.
O Brasil é personagem principal no fornecimento de recursos minerais para a indústria. Basta ver os sucessivos recordes anuais nas exportações de petróleo, ouro e minério de ferro. Já no mercado de gemas (popularmente conhecidas como “pedras preciosas”,), o Brasil foi sempre inovador na produção de águas-marinhas, esmeraldas, ametistas, diamantes, topázios e safiras. Elas são usadas na produção de jóias de alto padrão desde a época do Brasil império, com destaque para as gemas de Minas Gerais detectadas nos vales dos rios Doce, Araçuaí e Jequitinhonha.
O município de Salgadinho, localizado no sertão do estado da Paraíba, ficou famoso internacionalmente no começo da década de 1980, quando foi descoberta uma das mais belas, valiosas e fascinantes gemas que o mundo já tinha visto: a “Turmalina Paraíba”. Ela pertence ao grupo de minerais genericamente denominados de turmalinas, o que inclui minerais com enorme variabilidade de composição e de cores. Os minerais do grupo das turmalinas apresentam-se em cristais alongados com uma base triangular.
A Turmalina Paraíba pertence ao subgrupo elbaíta, e destaca-se através da cor azul néon (podendo variar para verde ou lilás néon). Veja alguns exemplos abaixo.
A Turmalina Paraíba tem uma fórmula química bem complicada, com quantidades consideráveis de elementos incomuns na crosta terrestre, como lítio, boro, cromo e flúor. O intenso azul turquesa e o brilho “neon” ou “elétrico” são diferenciais que fazem dela uma gema excepcional e única no mundo. A variação de cor entre os exemplares normalmente depende de elementos químicos denominados cromóforos. Altas concentrações (acima de 2%) de cobre são responsáveis através da sua cor azul peculiar.
A Turmalina Paraíba (assim como outras variedades de turmalinas) é identificada em pegmatitos graníticos: rochas de origem ígnea compostas por minerais de grande tamanho, centimétrico a decimétrico. Em geral, os pegmatitos ocorrem em veios ou diques que alcançam metros de extensão; eles são conhecidos por hospedar minerais exóticos, muitos deles com potencial para aproveitamento – como as gemas.
A Turmalina Paraíba é rara e só é identificada na Província Pegmatítica da Borborema, localizada entre os estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, além da Nigéria e Moçambique, na África.
A Província Pegmatítica da Borborema tem mais de 750 pegmatitos reconhecidos. Muitos deles representam reservas estratégicas de lítio, berílio, bismuto, nióbio e tântalo, inclusive alguns foram explorados desde a Primeira Guerra Mundial.
As rochas que compõem essa província foram estabelecidas na convergência entre os continentes sul-americano e africano, durante a formação do Supercontinente Gondwana existe aproximadamente 510 milhões de anos atrás. Isso explica a ocorrência da Turmalina Paraíba nos dois lados do Atlântico.
A distribuição da Turmalina Paraíba nos pegmatitos ocorre comumente na zona intermediária de cristais coloridos de elbaíta, que possuem um núcleo rosa a vermelho (rico em alumínio e manganês) e borda verde a verde escura (rica em ferro e magnésio). Isso indica que a Turmalina Paraíba se formou durante os últimos estágios de cristalização do magma que deu origem aos pegmatitos mineralizados, numa condição em que boa parte do ferro e magnésio havia sido consumida na cristalização de outras variedades de turmalina – como schorlita e dravita, menos apreciadas através do mercado joalheiro.
Atualmente, a maioria das minas de Turmalina Paraíba no Brasil estão exauridas a única ainda em operação fica localizada no município de Parelhas (pegmatito Capoeira), Rio Grande do Norte. As turmalinas detectadas na Nigéria e Moçambique, apresentam em geral qualidades gemológicas inferiores às detectadas no nordeste brasileiro. As gemas brasileiras são reconhecidas por laboratórios internacionais como Gemological Institute of America e Swiss Gemmological Institute. Dependendo da qualidade da gema, o quilate ( 0,2 gramas) da Turmalina Paraíba pode ter uma variação de alguns milhares a centenas de milhares de dólares. Um pingente, brinco ou anel de ouro cravejado com Turmalina Paraíba pode atingir valores superiores a US$600.000 (equivalente a R$3 milhões).
O Brasil destaca-se então como o principal fornecedor de uma das mais belas e valiosas pedras preciosas já detectadas na Terra.
Fontes:
Beurlen, H., Moura, O. J. M., Soares, D. R., Da Silva, M. R. R., Rhede, D., 2011. Geochemical and Geological Controls on the Genesis of Gem-Quality “Paraíba Tourmaline” in Granitic Pegmatites from Northeastern brazil. The Canadian Mineralogist 49, p. 277-300.
Katsurada, Y., Sun, Z., Breeding, C. M., Dutrow, B. H., 2019. Geographic origin determination of Paraíba Tourmaline. Gems and Gemology 55, p. 648-659.
Soares, D. R., 2004. Contribuição a petrologia de pegmatitos mineralizados em elementos raros e elbaítas gemológicas da Província Pegmatítica da Borborema, NE-Brasil. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, 286 p.
Soares, D. R., Beurlen, H., Da Silva, M. R. R., Gonzaga, F. A. S., Santos Filho, J. I., Oliveira, H. B. L., 2018. Variedades Gemológicas de Minerais da Província Pegmatítica da Borborema, NE do Brasil: Uma Síntese. Estudos Geológicos 28(1), p. 56-71.
Trinchillo, D., Pezzota, F., Dini, A., 2015. The Pederneira Mine. The Mineralogical Record 46(1), 138 p.
Agradecimentos: Dr. Dwight Rodrigues Soares (professor do IFPB, campus Campina Grande) e Josenildo Isidro Santos Filho (graduando em Engenharia de Minas da UFCG).