Do começo da década de 1990 até 2017, enquanto o mundo navegava em uma tendência de menos violência, o Brasil foi na direção contrária e viu sua taxa de homicídios crescer. Tanto que, em 2019, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime exibiu que somos um dos países mais violentos do mundo.
Na virada do milênio, ainda assim, uma das regiões mais violentas do país mudou de rota. O jornalista e pesquisador da USP Bruno Paes Manso conta em seu livro A fé e o fuzil, postado através da editora Todavia, que os homicídios no estado de São Paulo começaram a se multiplicar com início da década de 1960. Em 1999, o município atingiu o número de 65 mil assassinatos por cada 100 mil habitantes. Apesar disso, com início de 2000, essa tendência de crescimento se inverteu.
A diminuição das estatísticas de violência continua até hoje. Em 2023, o município de São Paulo registrou o menor número de homicídios desde o começo da série histórica, em 2001. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado, foram 481 assassinatos no ano passado, em comparação com 5174 casos no começo do milênio.
Entre 2000 e 2017, as taxas de homicídios diminuíram 76,6% no estado de São Paulo, enquanto aumentaram 76,8% no resto do país. A começar de 2018, existe uma tendência de queda em outras unidades federativas, mas nenhum caso se compara ao de SP.
O que será que fez a violência diminuir na capital e no estado paulista? O assunto é motivo para debates extensos entre diferentes pesquisadores. Uma das hipóteses que mais chamou a atenção é a de que o principal responsável através da pacificação seja o Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior planejamento criminosa do Brasil, fundada em 1993 em Taubaté, no interior do estado.
Será que é isso mesmo? O pesquisador Bruno Alvarenga, da Universidade de São Paulo (USP), questiona a ideia.
PCC contra a violência?
A ideia de que o PCC possa ter um papel especial na diminuição dos homicídios em São Paulo iniciou a circular no debate acadêmico em 2008, por intermédio de uma tese de Gabriel Feltran, sociólogo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Tanto nas suas pesquisas como na tese de Camila Nunes Dias, socióloga da Universidade Federal do ABC (UFABC), um dos motivos apontados para a diminuição da violência é a normalização do “proceder” e da “disciplina” do PCC, uma ética interna da planejamento. Vamos explicar.
Até o crime funciona com leis. A disciplina exigida dos integrantes do PCC inclui o autocontrole das emoções, a ponderação no uso de drogas e julgamentos internos e debates para mediar conflitos. Onde antes a violência rolava solta, uma força centralizadora auxiliaria a diminuir vinganças e brigas entre membros de grupos diferentes na periferia de São Paulo.
A hegemonia do PCC no mundo do crime e as regras impostas através da planejamento seriam os fatores que explicam a diminuição dos homicídios em São Paulo. Mas, no recente estudo de Alvarenga, postado na revista científica Cadernos de Gestão Pública e Cidadania, alguns outros fatores mostram que talvez não seja tão simples assim.
Taxa já estava em queda
Um dos primeiros fatores que mostram que a responsabilidade da diminuição da violência não é só do PCC foi destacado por Paes Manso em sua tese de doutorado através da USP, em 2012. A planejamento criminosa só iniciou a atuar de forma coordenada, mediando conflitos nos territórios, com início de 2006. Àquela altura, a taxa de homicídios em São Paulo já estava ocorrendo em ritmo acelerado.
Analisando a hipótese, Alvarenga tentou encontrar uma correlação entre as reduções de taxas de homicídios e os bairros paulistanos com maiores proporções de moradores em favelas, onde o PCC teria um domínio maior. Existe uma “diferença sutil”, sim, segundo Alvarenga, mas não o suficiente para dizer que esse é o único motivo para a diminuição.
Entrando em contato com outras hipóteses de pesquisadores para explicar a diminuição das taxas de homicídios em São Paulo, Alvarenga construiu um modelo estatístico que poderia abarcar todos os possíveis fatores, evidenciando quais seriam os mais significantes para a queda da violência.
Os outros fatores elencados através do artigo de Alvarenga são a melhoria de indicadores socioeconômicos e a diminuição da desigualdade de IDH entre o centro e a periferia. O pesquisador também cita o aumento do policiamento ostensivo, estratégia de colocar os policiais fardados na rua, perto de pontos de alta criminalidade. O estudo, ainda assim, não cita os óbitos cometidas através da própria PM. Entre 1995 e 2015, foram 11.358 pessoas mortas através da polícia do estado.
Outro fator relevante destacado por Alvarenga é a redução demográfica dos jovens, o grupo mais carente à mortalidade por homicídio. A cota dos cidadãos nesta faixa etária iniciou a diminuir antes em São Paulo do que nos outros estados, o que auxiliaria a explicar a queda da violência chegando antes entre os paulistas.
A análise estatística com múltiplas variáveis examinou 94 bairros da cidade de São Paulo entre 2000 e 2010. A conclusão do estudo de Alvarenga foi que os fatores mais relevantes para diminuir os homicídios foram as taxas de policiamento e a variação do IDH dos bairros, representando mudanças socioeconômicas.
Não dá para preservar, usando as estatísticas que temos, que a influência do PCC foi o principal fator para diminuir os homicídios em São Paulo. Mas dá para notar a influência de políticas públicas na queda dos índices de violência, melhorando condições socioeconômicas e taxas de policiamento.
“No Brasil, em muitas unidades federativas se observam altas taxas de homicídios, e pouco se fala sobre as políticas públicas implementadas em SP como um possível modelo de resposta para o problema”, argumenta Bruno. Estudar mais o que foi feito no estado pode ser um caminho para diminuir a violência no resto do país.